domingo, 6 de julho de 2008

Pesca ameaçada em Niterói.

ESSA É A REPORTAGEM DE CAPA DO ESPECIAL COMUNIDADE PESQUEIRA. ELA DEU ORIGEM A TODAS AS OUTRAS QUE JÁ FORAM POSTADAS E QUE AINDA SERÃO, ATÉ O FIM DESSA SÉRIE TEMÁTICA. ESPERO QUE GOSTEM E FAÇAM BOM PROVEITO.

Texto e fotos por: Fabio da Silva Barbosa
e Luiz Henrique Peixoto Caldas

Quem vive da pesca vem sofrendo diversos impactos com as novas medidas e acontecimentos. Em diversas comunidades pesqueiras que passamos as preocupações e problemas se multiplicavam. A poluição e a perda de espaço do pescador foram problemas comuns escutados em todas as visitas. Ademir José dos Santos, pescador e Diretor Financeiro da Colônia de Pescadores de Jururjuba (Z8), nos informou com pesar que as tubulações do oleoduto na Baía de Guanabara e a chegada de mais plataformas da Petrobras, a que os pescadores não podem se aproximar mais de 500 metros, vem tomando o terreno da tradicional atividade pesqueira na cidade. A Colônia vem buscando alternativas para o problema junto a Petrobras. A proposta da companhia é aproveitar os pescadores em seus seguimentos de serviços.



SONIA APRESENTANDO O LOCAL DE TRABALHO DOS MARISQUEIROS


Alguns pescadores como Robson Barbosa Pulsent, presidente da Associação de Pescadores e Amigos da Praia Grande, no centro de Niterói, há 25 anos na pesca não aprova a ideia. “Não queremos trabalhar em outra coisa. Mesmo não rendendo o que rendia antes, gosto dessa atividade. Sou pescador. Sempre fui. Não podem tirar isso de mim.” Sonia, Presidente de uma das três associações de maricultores de Jurujuba, a Associação das Mulheres dos Povos D'Água participa das reuniões dos “Pescadores sem Mar”, movimento que busca uma forma de resistência a essa tendência. Ela acredita que será uma quantidade imensa de famílias que sempre viveram da pesca jogadas ao desemprego. “Isso não pode dar bom resultado.”
Misael de Lima, presidente da Associação de Maricultores Livres de Jurujuba, diz que esteve refletindo sobre a questão e concluiu que a Baía de Guanabara vai deixar esse nome de lado e vai acabar se chamando Baía da Petrobras. “Eu acredito que isso vai afetar tudo. Hoje você sobe na ponte e vê a quantidade de rebocadores e navios que tem ali. O que vai sobrar para o pescador? Espero que nessas reuniões que tem ocorrido Deus ilumine a cabeça deles e o pescador não tenha mais perdas.” Ainda segundo Misael, outro projeto que veio limitar o espaço que servia ao pescador foi o Catamarã.


MISAEL NA SEDE DE SUA ASSOCIAÇÃO

Na Ilha da Conceição a preocupação é reforçada. Sandro Vitorino dos Santos, pescador há 36 anos fica inconformado com a situação. Diz que não há diálogo. As empresas se apossam dos lugares e com apoio legal os proíbe de pescar. “Eles estão nos expulsado de casa, mas fomos liberados para pescar a cem anos atrás. Isso passou de geração em geração. Agora querem nos afastar da pesca tomando os locais permitidos pelo IBAMA. Aonde vamos pescar?” O derramamento de óleo no início de 2000 foi lembrado como um dos grandes responsáveis pelo declínio da pesca, junto com a falta de apoio do poder público.


Como se isso não fosse suficiente...

Além dessa grave ameaça de extinção da pesca a favor da exploração do petróleo e de outras empresas que utilizam os caminhos marítimos, outro fator exposto por Ademir, que vem provocando uma grave crise no setor pesqueiro é a proibição da pesca da corvina pelas redes de traineiras. Embora ambientalistas e até alguns pescadores condenem a prática ele afirma que poderia ser criado um defeso, uma limitação, como feito no caso da sardinha. “A pesca da corvina com rede em traineiras sempre foi nosso carro chefe. E agora que simplesmente proibiram? Eles poderiam ter procurado o seguimento pesqueiro para discutir uma saída que não prejudicasse ninguém. Existem soluções, mas é mais fácil proibir.”
Plínio, que já trabalhou tanto na pesca do atum quanto na artesanal (pequena pesca), também acredita que falta um maior contato entre as esferas do governo e o setor pesqueiro. Já tendo participado de reuniões no Sul do país sobre o defeso na pesca, diz que o pescador não é tratado de forma igual em todas as regiões. “Esse ano cortaram nosso defeso da sardinha, mas em Santa Catarina estão pagando. Por que lá está recebendo e aqui não? Eu acho correto não atrapalhar a reprodução da sardinha se não minha filha que tem 8 anos não vai conhecer esse peixe quando tiver 15, mas falta essa comunicação, esse acordo.”
Na lagoa de Piratininga o problema se concentra na poluição, que já deteriorou tanto o meio ambiente que os peixes estão morrendo por falta de oxigênio. As obras de despoluição estão sendo prometidas a mais de vinte anos. No dia 24 de Abril deste ano foi feita a inauguração das obras. Tomara que realmente comece dessa vez, porque em 2003 a Prefeitura de Niterói, através da Secretaria Municipal de Meio Ambiente já havia feito um evento na praia de Piratininga, anunciando um projeto para despoluir a lagoa que não se concretizou. No início de 2007 o Prefeito Godofredo Pinto e o Secretario Estadual de Meio Ambiente Carlos Minc estiveram visitando algumas lagoas e anunciaram o inicio das Obras. A idéia é fazer uma ligação entre a lagoa e o mar, na tentativa de revitalizar as águas, como é feito em Saquarema anualmente.

Entrevista com Ademir José dos Santos

ADEMIR DURANTE A ENTREVISTA

Comunidade: Como os pescadores estão se adaptando a nova realidade imposta na Baía de Guanabara?

Ademir: Alguns estão se adaptando mais rápido que os outros, mas o fato é que daqui a algum tempo a atividade vai acabar na Baía. Disso a colônia já foi avisada. O que estamos tentando é solucionar o problema junto a Petrobras. A solução que vem sendo apresentada é aproveitar os pescadores em seu meio de trabalho.Para os pescadores que não tenham condições de trabalhar em algo pesado está sendo estudada uma pequena área para que possam tirar seu sustento. O problema é que os peixes procuram as sombras das plataformas, onde não podemos nos aproximar.

Comunidade: E a questão do defeso?

Ademir: O defeso não é o problema. A maioria dos pescadores já entende que isso é importante. O problema é quando simplesmente se proíbe como é o caso da corvina.

Comunidade: E por que isso acontece?

Ademir: Porque quem faz as leis está fazendo isso de dentro de um gabinete. Ele não vem checar as fontes. Conversar com quem realmente entende do assunto. Antigamente éramos agregados ao ministério da agricultura, hoje temos o ministério da pesca, mas as pessoas que estão lá são nomeadas sem pertencerem ao segmento pesqueiro. É preciso ter cuidado para não tomar uma atitude errada, que vá atingir toda uma classe, afetando o estado e até o país, causando um desequilíbrio social muito grande.

Comunidade: Qual a proporção desse desequilíbrio?

Ademir: É incalculável o número de pessoas que vivem direta ou indiretamente da pesca. São 25 colônias de pescadores só no estado do Rio de Janeiro, das quais 5 estão dentro da Baía. A que eu faço parte, a Z8, tem 11 mil pescadores inscritos, ou seja, pescadores de direito. Para cada pescador de direito existem 4 de fato, que não tem documento. Só aí são 44 mil. Agora você põe o cara do gelo, o do óleo, o carregador, o que faz o frete e até o que fornece a comida. Pensa nessa massa desempregada. Quando você tira o emprego de pessoas de baixa renda, aumenta gradativamente a criminalidade e a clandestinidade. A família fica sem o leite, sem o estudo... sem o sustento. Já fui Comissário Voluntário de Menores durante 14 anos e vi muita coisa assim.

Comunidade: E por que essa massa não se organiza para interferir nessas decisões?

Ademir: Porque não tem união. È uma massa tão carente que precisa lutar o dia a dia para sobreviver. Se convocarmos para um debate ou uma manifestação eles vão temer por ficar sem trabalhar. Quem vai pescar naquele dia por eles. Apesar de ser uma categoria que hoje, acredito que seja o dobro dos metalúrgicos, falta união. Eles têm união. Os Sem Terra tem união. Eles acreditam. Se precisar morrem pela causa. Isso é o que falta no pescador.