sexta-feira, 8 de agosto de 2008

A Turma Lima Barreto: uma Experiência em Pré-vestibular Popular

por: Winter Bastos

No ano de 2001, tive a experiência de dar aulas à comunidade pobre de Niterói e adjacências no Pré-vestibular Popular Fernando Santa Cruz, no Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal Fluminense. Eu ensinava Literatura e Redação para as duas classes existentes, então chamadas "turma A" e "turma B". De segunda a sexta-feira, eram dadas todas as matérias exigidas pelo vestibular. As aulas eram à noite para permitir que trabalhadoras e trabalhadores participassem. Aos sábados, havia debates e exibições de filmes com temática social.

Cheguei a passar o vídeo do Centro de Mídia Independente "Não começou em Seatle, não vai terminar em Quebec", sobre protestos em São Paulo contra a implantação da Área de Livre Comércio das Américas. Depois, junto com um companheiro voluntário do CMI, promovemos um debate sobre a ALCA e a repressão a manifestações antiglobalização.

Exibi também o filme "Terra para Rose", de Tetê Moraes, documentário sobre a luta pela reforma agrária no Brasil. Após o filme, houve um debate sobre a questão da terra.

Porém os alunos tiveram mais empatia mesmo pelo longa metragem "Viva Zapata!". A princípio os alunos quase não tinham informação sobre o tema do filme. Um dos estudantes havia chegado a perguntar: "O que é Zapata?". Mas o interesse despertado pela Revolução Mexicana e pela figura do guerrilheiro Emiliano Zapata acabou sendo bem grande. A mensagem libertadora do filme tocou a todos e uma jovem chegou às lágrimas durante a exibição. Depois, um companheiro, que viria a se tornar militante da Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ), fez uma palestra sobre zapatismo bastante apreciada pelos alunos.

Durante minhas aulas, dei ênfase a escritores com maior preocupação social. Examinei detidamente os escritos de Graciliano Ramos. Debatemos longamente o romance "O Cortiço", de Aluísio Azevedo. Falei bastante do livro "O Ateneu", de Raul Pompéia, e ressaltei a ligação deste autor com o pensamento do libertário francês Pierre-Joseph Proudhon. Abordei também a vida e a obra do escritor Lima Barreto, salientando sua adesão ao ideário ácrata. Debatemos também: a greve dos professores da UFF, que ocorria naquela época; a "reforma" da previdência; a questão das drogas; a violência policial...

Numa das reuniões mensais de professores, foi decidido que as classes deveriam ter nomes de personalidades que os alunos julgassem relevantes. Mesmo após a unificação das turmas, a idéia continuou, pois julgamos que seria importante a classe de 2001 escolher para si um nome que traduzisse o esforço empreendido e o espírito que a animou e inspirou durante o ano. O nome escolhido pelos alunos acabou sendo o do escritor anarquista LIMA BARRETO.

Por volta de 2002 ou 2003, andando pelo Campus do Gragoatá da UFF, ouvi chamarem meu nome. "Lembra de mim, professor?", perguntou-me um jovem negra com livros embaixo do braço e um belo sorriso nos lábios. Respondi-lhe: "Claro! Você era aluna no pré-vestibular do DCE. Como vai?". Ela me respondeu que fora aprovada no vestibular e que, naquele momento, estava cursando Pedagogia na UFF. Desejei-lhe boa sorte e nos despedimos.

Fiquei pensando em todo aquele esforço de preparar aulas, corrigir redações, elaborar exercícios, organizar debates... Tudo aquilo certamente não foi em vão. Como povo, é nosso dever nos ajudarmos mutuamente não só para a aprovação no vestibular, mas para despertar – em nós e nos outros – consciências críticas.

Ensinei bastante ao longo daquele ano, e também aprendi muito. Tenho esperança de que aqueles que foram meus alunos um dia também se engajem em projetos de Educação Popular, fortalecendo assim, no seio do povo, o APOIO MÚTUO, princípio essencial a todos nós.