domingo, 10 de fevereiro de 2008

COLETIVO REGRAF

Em Recife, o coletivo Regraf, que existe desde 2004, vem lutando para ajudar as classes desfavorecidas e dando apoio aos artistas locais. O coletivo tem uma base socialista e acredita que uma das principais razões para a desigualdade social é o sistema vigente.
Fizemos uma entrevista com Azul de Barros, fundador do grupo, para conhecer um pouco mais sobre seu trabalho e a realidade do lugar.

COMUNIDADE: Quem é Azul de Barros e o que é o Coletivo Regraf?

REGRAF: Azul é o pseudônimo que me identifiquei, pois na época tinha começado a grafitar pelo Recife, e no mundo das artes de rua é comum que se tenha um apelido. Embora tenha fundado o Regraf, não me considero líder, pois o fato de ser um coletivo de base socialista nos faz extinguir a idéia de superioridade dentro do grupo. O Coletivo Regraf foi criado primeiramente com o objetivo de reunir uma turma da minha antiga escola que se interessava por grafite. Aos poucos uns e outros foram se distanciando do grafite e conseqüentemente do Regraf. Como o grupo era uma coisa que eu não queria acabar convidei alguns amigos, e daí outras pessoas se interessaram e formamos o Coletivo. Redefinimos a partir daí os conceitos e princípios do Regraf. Como eu era socialista e já realizava atividades solidárias, lancei a proposta de termos um padrão socialista, solidário e de luta comunitária ao mesmo tempo. A idéia foi aprovada pelos membros e hoje é o lema do coletivo: Arte, luta e Solidariedade. Vimos também a necessidade de termos uma variedade de atividades dentro do grupo, começamos então a convidar grupos de expressão cultural. Hoje o Coletivo é considerado uma união de músicos, artistas plásticos, poetas e esportistas que se importam não só apenas em passar a sua mensagem artístico e cultural, mas em ajudar os desfavorecidos e combater as injustiças cometidas pelo sistema Capitalista.
Grafite na Favela Ilha do Destino no Bairro de Boa Viagem.

COMUNIDADE: Existe algum tipo de apoio?

REGRAF: No momento não recebemos ajudas financeiras de nenhuma entidade privada ou do governo, mas contamos com algo que é muito mais importante do que a ajuda em dinheiro, que são as parcerias. Outros grupos do Recife que também realizam trabalhos comunitários, como o grupo Extinto Criativo, que está junto com o Coletivo nas aulas de grafite pra comunidade; e até vocês mesmos, Fabio e Luiz, por estarem fazendo essa troca de idéias que é muito importante para ambos. Raramente recebemos doações de camisas para pintura, garrafões d’água para os eventos, tecidos para faixas. Mas apesar disso, os encontros solidários e interativos estão dando sucesso, pois, por sorte, alguns membros do Regraf possuem os materiais necessários e “quebram o galho”. Uns ficam encarregados com os panfletos e cartazes, pois trabalham com isso, um tem o equipamento de som, outro tem tinta e faz as faixas e pinta camisas, e assim por diante... Dessa forma economizamos dinheiro, passamos a mensagem do evento, treino ou palestra e ajudamos quem precisa, tudo de forma bem coletiva.

AULAS VOLUNTARIAS DE GRAFITE


COMUNIDADE: Vocês trabalham tanto com comunidades carentes quanto com a classe dos artistas. Como dão apoio a esses dois grupos de indivíduos e como eles interagem?

REGRAF: Procuramos sempre trocar idéias entre os próprios membros do Coletivo Regraf , para refletir sobre o cotidiano, sabermos como vai nos estudos, em casa e se podemos ajudar em algo. Mas a principal meta do Regraf com os artistas envolvidos é proporcionar com que eles próprios possam abrir suas mentes e buscar inspirações nas comunidades, passando a arte deles para a comunidade e despertando interesse dos moradores pelo meio artístico. Na comunidade Ilha do Destino, por exemplo, realizamos juntamente com o pessoal do Extinto Criativo e Apocalipse crew um amostra de grafite. A idéia foi ótima, podemos ver de perto contraste socioeconômico, pois a comunidade se localiza no bairro de Boa Viagem, conhecido pelos grandes e luxuosos prédios, galerias e pela grande orla. Vimos que lá é uma comunidade forte e unida, apesar das discriminações. Na Ilha do Destino, contamos com a participação de um morador da comunidade que já se interessava pela grafitagem, mas não tinha oportunidade. Então, buscamos fazer algo mutuo, os artistas mostram suas artes para a comunidade e despertam o interesse do pessoal da comunidade, além de fazer a entrega de alimentos recolhidos antecipadamente ao evento, e em troca ganhamos algo que não se compara: o prazer de poder ver que estamos passando ao mesmo tempo alegria e diversão pelas atividades físicas, e que estamos amenizando um pouco a miséria, mesmo que não seja para sempre. Contamos hoje com aulas de grafite para a comunidade, shows para arrecadar alimentos, treinos solidários e estamos agora planejando aulas de inglês gratuitas.
BANDA CIRCO MOLAMBO

COMUNIDADE: Uma banda que está tendo muito destaque dentro do Coletivo é o Circo Molambo. Por que ela vem se destacando entre tantas bandas que atuam em Recife?

REGRAF: A entrada da banda no Coletivo Regraf foi muito boa, ela é uma das poucas bandas que surgiram no Recife nos últimos anos que se intitulam como manguebeat - ou manguebit. Acredito que o destaque da banda se deu principalmente pelo fato deles representarem algo revolucionário. O manguebit de Chico Science e Nação Zumbi e Mundo Livre s/a (bandas criadoras do movimento mangue) mesmo sendo algo revolucionário na década de 90, não tinha como caráter principal denunciar injustiças do capitalismo, já a Circo Molambo, faz um manguebeat voltado para o meio social. A banda ainda é nova na estrada, mas nesse pouco tempo já surpreendeu muita gente com o seu som. Dentro do Coletivo há uma certa troca de obrigações, os cartões, faixas e camisas da banda, por exemplo, são feitos por outro pessoal do Regraf que, de alguma forma, entendem melhor do assunto ou trabalham com isso. Quando realizamos nossos eventos sempre podemos contar com a Circo Molambo para a organização e para alegrar o público com música boa. Agora contamos, também, com uma nova banda que já estará tocando no nosso próximo evento, juntamente com a Circo Molambo, que é a Blessing, um estilo de Rock pesado que eles denominam Power Metal.
O pensamento que nós, do Regraf, temos é de que usando manifestações culturais, fica mais fácil passar a mensagem, pois o povo brasileiro, especificamente o pernambucano, é muito ligado à cultura popular. A música de Pernambuco, por exemplo, é uma referencia nacional e a cada dia no nosso estado você ouve falar em uma banda nova, seja de qual for o gênero.

COMUNIDADE: O que mudou em Recife depois do manguebeat?

REGRAF: O Manguebeat, ou Manguebit foi sem dúvida um marco para a história da música brasileira. Chico science, Fred 04 e Renato L., idealizadores do movimento mangue, fizeram algo nunca visto, juntaram o coco, maracatu, ciranda e outros ritmos locais com expressões musicais que estavam “bombando” nos anos 90 (hip-hop, música eletrônica, samba, funk, rock). O Manguebeat abriu as portas do mercado para a música raiz pernambucana. Depois do movimento mangue, o som de nosso Estado foi visto com outros olhos pelo Brasil inteiro, e até pelo mundo. Devemos muitos a esse movimento musical. Vários jovens passaram se interessar pela música local após o surgimento do Manguebeat. A expansão da cultura popular por todo o estado, também deve um pouco ao manguebeat, com mais jovens interessados em se ligar à cultura, seja tocando em maracatu, dançando coco ou caindo nos passos do frevo, já é mais fácil distanciar eles das drogas, por exemplo.

COMUNIDADE: Fale sobre o le parkour e o treino solidário.

REGRAF: O le parkour é uma atividade física, de origem francesa, que seguinifica “o percurso”. Tem como principal objetivo usar a força física, o raciocínio lógico e a criatividade para ultrapassar os obstáculos “criados”. Os praticantes, ou “traceurs”, usam da imaginação para fazer de um banco da praça, de um muro da esquina ou de barras de ferro de alguma construção um obstáculo para eles passarem. Mas, a filosofia do PK vai muito alem de apenas “pular muros”, os traceurs buscam sempre criar algo inovador e mais difícil de superar, seja tentar pular um muro maior ou aumentando o tempo do percurso. Dessa forma os praticantes de le parkour, estão sempre desenvolvendo o corpo, através dos exercícios físicos e de uma certa forma, desenvolvendo seu psicológico, com o seu instinto de superação. A relação do Parkour com o Coletivo Regraf começou através de um amigo que estuda comigo, ele é praticante de Le Parkour e se mostrou interessado de participar do nosso Coletivo, com isso marcamos de ir há um treino beneficente que a galera da associação pernambucana havia organizado, conheci outros praticantes de PK, que também se mostraram interessados e já marcamos uma reunião pra acertar as contas da entrada deles no coletivo. Hoje, contamos com cerca de cinco traceurs, um número ótimo, se levarmos em consideração que o Le Parkour é algo muito recente no estado e ainda não tem muitos praticantes. A idéia dos treinos solidários no PK não é uma exclusividade do nosso Coletivo, felizmente o parkour, apesar de ser algo novo e descriminado, se mostra mais interessado em ajudar a sociedade do que vários outros esportes. O principal objetivo dos treinos é tentar passar a mensagem do le parkour para os traceurs iniciantes e tentar acabar com o preconceito que existe com a prática, pois na maioria das vezes os próprios moradores, de maneira errada, como “esporte para ladrão”. Algo que acontece constantemente, por exemplo, é a proibição da prática em locais públicos, feito pelos seguranças locais, e o mais “estranho” é que, na maioria das vezes, eles não têm argumento. Aos poucos, os traceurs foram percebendo a importância de realizar treinos solidários, e hoje, praticamente todo treino organizado pela associação local de PK tem um certo punho social. Nós, do Regraf, vimos que essa idéia é maravilhosa e passamos adiante com os nossos traceurs, que inclusive já possuímos o nosso próprio grupo, o Parkour Regraf.
O LE PAKOUR EO TREINO SOLIDARIO

COMUNIDADE: Como está a política local?

REGRAF: Nosso estado é muito dividido politicamente, hora vemos uma grande febre esquerdista e uma hora vemos uma quantidade maior de burgueses no poder. Mas, hoje em dia, o que vemos é sempre a mesma coisa, independentemente da vertente política dos governantes. Em Pernambuco há várias desgraças sociais, nas ultimas pesquisas vimos que o nosso estado teve 319 mulheres assassinadas, na maioria delas pelos seus parentes, cerca de 57,08% da população pernambucana vive abaixo da linha da pobreza e Recife continua sendo uma das capitais com mais concentração de renda. Acredito que para melhorar a situação do estado e do Brasil é preciso que tenha realmente um governo do povo. Os políticos nada mais são do que nossos empregados. Devemos sempre cobrar deles o que prometeram e o que não prometeram, mas sem esperar demais. Para podermos implantar um verdadeiro governo justo, tem que haver informação de qualidade para todos. A televisão, aqui no estado, por exemplo, quase não abre as portas para a nossa cultura, os poucos programas que divulgam a cultura popular recebem pouco incentivo. Os programas policias e de desgraças sociais estão tomando conta das emissoras, a maioria deles espetacularizão dos casos de assassinato e mostram apenas os fatos e não as causas dos crimes, o que acaba muitas vezes levando embora o senso crítico da população. Uma ação em conjunto, digo, com educação, saúde, lazer, cultura sendo passadas de uma forma justa seria algo maravilhoso. Mas, com certeza isso não irá acontecer se depender da vontade dos governantes. Temos que ir a luta e “armar” a população sem informação com informação, para que eles possam também reivindicar seus direitos.

COMUNIDADE: Até que ponto o socialismo é importante para o grupo e como ele é posto em prática?

REGRAF: O socialismo, no grupo, é algo que usamos como conduta e nos nossos fundamentos e princípios. Como a maioria dos membros do Coletivo Regraf são socialistas e os que não são não criticam, procuramos sempre colocarmos em questão que somos um grupo de princípios socialistas. Dizemos ter princípios socialistas, porque hoje em dia a verdadeira idéia comunista de Marx, esta bastante distorcida pelo seu mau uso. Os regimes socialistas que vemos nesses últimos anos não são exemplos perfeitos de sociedade. Mao, Lênin, Fidel, Chávez e outros lideres socialistas tentaram e tentam implantar um regime igualitário em seus países, mas sofrem pela pressão exercida pelo capitalismo, demonstrando contradições ás idéias marxistas. Achamos as idéias comunistas perfeitas para a sociedade em que vivemos, mas para se implantar um socialismo ao pé da letra é necessário uma revolução mundial, sem guerras e sem mortes, pois já está mais do que provado que nada dará certo se a sociedade não quiser. Temos que primeiramente mudar a opinião do povo sobre as idéias de igualdade social, se aproveitando das principais fraquezas do capitalismo. No Regraf, não classificamos ninguém por cargo ou algo parecido, todos temos nossas obrigações dentro do grupo. Boa parte do Coletivo participa de grupos estudantis e “bate-boca ” para reivindicar direitos, que são literalmente tomados pelos capitalistas. No grupo a luta contra o sistema capitalista vai alem das militâncias em grupos estudantis. Realizamos alguns vídeos e entrevistas com os desfavorecidos, vendemos jornais socialistas de cunho denunciativo, promovemos encontros com diálogos e dessa forma alertamos a população sobre os perigos de um sistema voltado para o lucro.

COMUNIDADE: Existe esperança para os menos favorecidos? O que falta para a situação atual mudar?

REGRAF: No começo do meu envolvimento com a militância, sempre me perguntava se adiantaria todo esse esforço que eu estava fazendo, mas logo, percebi que quando se tratamos de revolucionar um sistema socioeconômico mundial, não é necessário que o resultado seja imediato. O sistema de ação do Regraf é o de sempre tentar passar para o povo, de forma insistente, o lado ruim do capitalismo e a verdadeira idéia socialista. Um sistema justo pode ser conquistado hoje ou no século seguinte, depende muito de como a população está no momento, mais sedo ou mais tarde o conformismo da população irá acabar e a revolução irá começar. O meu papel e os de todos que passam a mensagem revolucionária de que mesmo que não seja na nossa geração, nos seremos lembrados por aqueles que também iram lutar por um mundo mais justo futuramente e assim será até esses pensamentos chegarem na geração que “explodirá” a revolução. Mas para fazer uma revolução hoje, amanhã ou depois, é necessário se aproveitar dos momentos de fraqueza e esgotamento do capitalismo. Tem que haver, também, pessoas que queiram sempre passar a mensagem adiante de maneira incansável, e informar as massas sobre o que elas estão sendo submetidas. Uma organização entre a população para haver um plano de ações é, também, necessário para que acabemos com a miséria e injustiças do mundo capitalista. Quando toco nesse assunto uso sempre um exemplo que acho legal: Se estudarmos para uma prova final na escola em que temos que tirar nota 5, nunca estudamos para 5 e sim para mais que 5, pois se houver caso de erro em alguma questão, ficaremos na média e passaríamos de ano. Esse exemplo pode ser comparado com uma revolução socialista, pois, mesmo as pessoas achando o sistema comunista algo que é perfeito, porem utópico, temos que pensar em alcançar esse regime, pois se não chegarmos realmente em um governo comunista, chegaremos próximo, o que, com certeza, seria bem melhor que o sistema miserável atual.

Nenhum comentário: