quinta-feira, 8 de maio de 2008

O poder da palavra

Por: Winter Bastos

Em "A Genealogia da Moral", Nietzsche afirma que a linguagem é "exteriorização da potência dos dominantes" e fundamenta esta idéia através da própria etimologia das palavras. Mesmo os conceitos de bem e bom teriam surgido de classes exploradoras que visavam caracterizar suas ações como positivas ("boas"). Segundo o filósofo, mau vem do latim malus (que deriva de melas, negro) e serviria para designar o homem plebeu de cor morena e cabelos pretos, do solo itálico. Em gaélico, a palavra fin, que significa "o bom", "o nobre", antigamente significava "o de cabelos louros" (celtas – dominantes – eram extremamente louros).

A linguagem seria o meio para dominadores imporem como positivo aquilo que eles têm de distintivo em relação aos demais. No livro "Poder e Domínio" (Rio de Janeiro: Ed. Achiamé, 2001), Fábio López López – baseando-se em Nietzsche – afirma que as classes exploradoras em todos os tempos criaram expressões e, através da linguagem, impuseram valores, transmitiram sua ideologia e consolidaram dominação.

Para driblar a opressão da palavra, é necessário desnudá-la: entender a gênese e o significado de provérbios e vocábulos; buscar definir os termos que utilizamos; conviver com a língua escrita, desenvolvendo hábitos de boa leitura. Só assim podemos escapar de dizer o que não queremos ou de aceitar o que é ruim para nós.

Muitos, porém, atuam no sentido de tornar a linguagem inebriante, nebulosa, enganadora, para, desta maneira, manter a população fascinada e ignorante. É o caso do chatíssimo jurista Rui Barbosa, do poeta parnasiano Olavo Bilac (com seus esteticismos vazios) e do prosador Coelho Neto (com intermináveis louvações aos poderosos).

Num caminho oposto, o libertário Lima Barreto (1881-1922) ironizava tanto os escritores "importantes" que usavam uma linguagem pomposa, quanto os leitores que se deixavam impressionar: "Quanto mais incompreensível é ela [a linguagem], mais admirado é o escritor que a escreve, por todos que não lhe entenderam o escrito" (BARRETO, Lima. "Os Bruzundangas". Rio de Janeiro: Editora Ática, 1998).

Em "Triste fim de Policarpo Quaresma", ao referir-se com ironia a um personagem pedante, lemos: "A sua sabedoria superior e seu título 'acadêmico' não podiam usar da mesma língua, dos mesmos modismos, da mesma sintaxe que esses poetastros e literatecos (...) O processo era simples: (...) invertia as orações, picava o período com vírgulas e substituía incomodar por molestar, ao redor por derredor, isto por esto, quão grande ou tão grande por quamanho, sarapintava tudo de ao invés, empós, e assim obtinha o seu estilo clássico que começava a causar admiração aos seus pares e ao público em geral".

Na escrita de outro autor revolucionário, Antônio Fraga (1916-1933), também há liberdade em relação a modelos pré-estabelecidos e maçantes. O mesmo se dá com o excelente contista João Antônio (1937-1996). Mas, antes de todos eles, esta escrita renovadora e comunicativa já tinha sido ensaiada por Manuel Antônio de Almeida (1831-1861) no divertidíssimo romance "Memórias de um Sargento de Milícias" que pode ser facilmente encontrado em bibliotecas e sebos da cidade.

Leiam bastante, amigos, só assim a gente não embarca nas falácias dos "sabichões".

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