sexta-feira, 6 de junho de 2008

COMUNIDADE HISTÓRICA EM COMPLETO ABANDONO.

Vergonha total.

TEXTO E FOTOS POR: FABIO DA SILVA BARBOSA

& LUIZ HENRIQUE PEIXOTO CALDAS
O PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DO MORRO BOA VISTA NOS APRESENTOU O CAOS EM QUE VIVEM. OLHEM PARA ESSE CAMINHO ONDE PESSOAS DE DIVERSAS IDADES TEM DE PASSAR PARA ENTRAR E SAIR DE CASA.

O Morro Boa Vista, situado no bairro do Fonseca, em Niterói, está em completo abandono, levando moradores a conviver com as situações mais chocantes de existência. Embora a localização e a beleza natural do lugar sejam invejáveis e a história e cultura local se confunda com a própria história da cidade, o esquecimento das autoridades responsáveis pelo bem estar público é patente. Um exemplo da preservação da cultura local é o poço do Ceará, o poço mais antigo da comunidade. Em volta dele se encontram vários moradores conversando ou jogando uma animada partida de dama. A história da cidade pode ser vista em um muro de pedra que servia de fuga aos índios que o usava para se esconder dos povos invasores. Esses índios faziam parte da tribo do famoso Araribóia. Essas atrações são encontradas na localidade conhecida como Bica do Caboclo. Na comunidade vizinha chamada de São Lourenço se encontra a primeira igreja de Niterói, a Igreja de São Lourenço dos Índios. Conhecida como Igreja do Índio, tem a sua frente o busto de Araribóia, que viveu no lugar.

GREJA HISTÓRICA NO SÃO LOURENÇO

Embora o São Lourenço seja considerado oficialmente como uma comunidade a parte, seus moradores dizem ser tudo o mesmo lugar e que essa divisão é apenas burocrática. Embora tenham associação própria, ambas trabalham juntas dando apoio mútuo. Joaquim é um exemplo dessa União. Organizador do pagode na Praça General Rondom resume o caso: “Isso aqui é maravilhoso, não saio nunca. As pessoas chamam aqui de São Lourenço e lá de Boa Vista, temos até duas associações, mas não existe separação. Trabalhamos juntos.”

PAVIMENTAÇÃO? ONDE? SÓ NA PRINCIPAL

Vários moradores como Rogério Souza da Silva, o Rogerinho, 32 anos, nascido e criado no Boa Vista, não escondem a satisfação e o orgulho de morar em um lugar tão belo, mas se decepcionam quando o assunto é apoio e melhorias. Rogerinho participou da Associação de Moradores do Morro Boa Vista em 2000 como vice-presidente e apóia a atual administração. “Hoje o que nós temos aqui são promessas, promessas e mais promessas de candidatos que vieram e usaram nossa casa sem trazer programas que realmente supram nossas necessidades. É aquela velha história. Só aparecem em época de eleição. Queremos estruturar e trazer um mínimo de conforto a nossa comunidade. Nosso atual Presidente tem feito o que pode, encaminhando os pedidos devidamente, mas não tem conseguido respostas satisfatórias devido à falta de compromisso social de grande parte dos nossos políticos.”

ESGOTO QUEBRADO PELO CAMINHO

A moradora Célia Maria de Souza teve dúvida na hora de falar sua idade, que disse ser aproximadamente 50 anos, mas não pensou duas vezes ao apontar seu infortúnio. Uma vala de esgoto passa pela porta de sua casa, causando mau cheiro e proliferação de ratos. Ela contou que a neta de três anos já adoeceu por causa da vala que tem de pular todo dia para entrar em casa. Sua rua está em péssimo estado.

CÉLIA MARIA E HÉLIO BIGODE

Com certeza ninguém sabe melhor o significado da palavra precariedade que a moradora Magali da Silva, 16 anos. Uma manilha enorme despeja esgoto praticamente na porta da sala durante todo o dia, cobrindo o quintal com fezes e riachos de água contaminada. É impossível ter acesso à moradia sem entrar em contato com os dejetos. Sua filha já foi internada por ter pisado na lama. Ter vermes é rotina na vida das crianças. A cena é indescritível. Dantesca.

MAGALI RODEADA POR FEZES EM SUA PRÓPRIA CASA

O Presidente luta incansavelmente por melhorias.

O Boa Vista conta hoje com treze mil moradores adultos. A quantidade de moradores infantis ainda não foi levantada. O atual Presidente da Associação local, Hélio Viana, 55 anos, atua como sócio fundador dês de 1982. O campinho e a pracinha são conquistas suas. “Isso eu já corria atrás antes de assumir a presidência. Não tinha nada aqui. Achei que tinha de fazer alguma coisa.”. Entre o campo e a praça existe uma calçada da fama onde os moradores podem botar seus nomes. Outra vitória foi à inauguração da Casa do Trabalhador. Lá as pessoas podem ter acesso a computadores e orientação na área de informática. Hélio falou que o projeto está indo bem, faltando apenas pequenos ajustes para atender as crianças.

O ESGOTO CERCA O MORADOR POR TODA PARTE

Mas os problemas saltam aos olhos de quem quiser dar um passeio pelo lugar. Nas ruas H, F, G e no Largo do Siri o Presidente nos informou que o abastecimento de água é insuficiente, enquanto o lugar possui cinco nascentes. “Há trinta e quatro anos moro aqui e a trinta e quatro anos vejo essas nascentes jorrando água. Só não temos o dinheiro para o material, mas se conseguirmos essa ajuda, a gente mesmo faz a obra. Podíamos ter reservatórios de água.” Funcionários da companhia Águas de Niterói já compareceram para estudar soluções, mas até agora nada de concreto foi feito.

CANO D'ÁGUA FURADO PASSANDO POR DENTRO DA VALA DE ESGOTO

Canos d’água furados passam por dentro de valas de esgoto. Várias ruas já sofreram deslizamentos por falta de manutenção. Postes de madeira estão se deteriorando e correndo risco de cair. A marquise do ponto de ônibus, onde várias crianças esperam condução para o colégio, já está faltando um pedaço que teria desabado. As ferragens estão à mostra e podem-se tirar grandes partes do concreto com as mãos sem a menor dificuldade, apenas com o toque. Uma caçamba de lixo está mal localizada, atrapalhando o acesso de veículos e aumentado a dificuldade dos pedestres que já não tem uma calçada adequada para andar.

ENQUANTO MUITOS NÃO TEM ÁGUA, AS NASCENTES JOGAM FORA. "NOS FALTA INCENTIVO FINANCEIRO PARA APROVEITAR ESSA ÁGUA. NÃO TEMOS DINHEIRO PARA RESOLVER SÓZINHOS."

A Primeira Secretária da Associação é Aline Lemos Pereira Viana, que trabalha como cabeleireira autônoma e ainda arruma energia para atuar a frente da comunidade. Com seus vinte e oito anos de idade cuida zelosamente dos documentos que passam pelo Presidente. Além das já citadas obras de pavimentação, água e esgoto, Aline acha que outras prioridades são os projetos para ocupar as crianças enquanto as mães trabalham e para as próprias mães que se encontrarem desempregadas desenvolverem alguma atividade que se reverta em renda. Segundo nos informou, na sede eles possuem espaço para atendimento médico e odontológico, mas não tem profissionais dispostos a trabalhar no local. O médico de família não freqüenta o morro, fazendo os moradores se deslocarem até o posto da Rua Jansen de Melo. “Tem mulheres que só conseguem marcar o preventivo para daqui a dois meses.”

1° SECRETÁRIA DA ASSOCIAÇÃO. CONFIANÇA NA LUTA POR MELHORIAS.


Mete bronca Hélio



Comunidade: Por que você resolveu entrar para presidência da Associação de Moradores do Morro Boa Vista?

Hélio: Participo da associação dês de 1982. Tenho o certificado de sócio fundador. Todos os presidentes que passaram por aqui fizeram sua parte, mas por falta de interesse político nunca puderam fazer muita coisa. Como sou funcionário da Prefeitura de Niterói há trinta anos, pensei que iria ter mais facilidade para resolver os problemas.

Comunidade: E está conseguindo?

Hélio: Para falar a verdade o sucesso não está sendo o esperado. Tem muito trabalho e obra grande para fazer. Essas obras grandes eles não estão fazendo.

Comunidade: Quais são as prioridades?

Hélio: São muitas. Tem um valão no Buraco Quente que não tenho nem o que dizer. Várias ruas estão caindo. Tem uma que deixou três carros presos na garagem. Mercado e entrega de material não pode chegar à casa dos moradores. É um transtorno. Ao lado do campo tem uma escada que a prefeitura veio fazer, parou e deixou um espaço de aproximadamente vinte metros de terra e depois continuaram de lá. Quando chove a terra do meio do caminho desce e cobre a escada de baixo. São coisas realmente sem cabimento nenhum.

Comunidade: Essas obras já foram solicitadas?

Hélio: Todas elas e mais algumas. A do valão no Buraco Quente, por exemplo, já está pedida dês de 2005 e até agora não recebi resposta. Não recebi resposta de nenhum dos processos.

Comunidade: E o problema com a água?

Hélio: Isso já foi solicitado e inclusive me prometeram que estariam aqui no dia seguinte resolvendo o problema. Até agora nada. O pessoal sofre.

Comunidade: E a luz?

Hélio: Com a iluminação até que não temos problemas, mas o que poderia ser feito é o reparo dos postes que estão ficando desgastados. Tem uns que já estão pela metade.

Comunidade: O esgoto?

Hélio: Está horrível. A tubulação não suporta a demanda. Lá embaixo sempre entope. Entupindo lá embaixo reflete até em cima. Aí até conseguir caminhão para vir resolver é um Deus nos acuda. Eles estão sempre ocupados em Icaraí, São Francisco... aqui nunca tem tempo de vir.

Comunidade: E o PAC tem planos para o Boa Vista?

Hélio: Até agora não tivemos notícia alguma que o PAC venha para cá. Eu acho que eles podiam prestar atenção no sofrimento humano que estamos passando. Se isso não fosse o suficiente, pelo menos podiam pensar que o Morro São Lourenço, Boa Vista e toda essa região tem um marco da história da cidade e do país. Eu acho que isso já seria um bom motivo para nos olharem de outro modo. As pessoas podiam ter mais zelo pela história. Eu acho até que os lugares que receberam essa graça mereceram, mas tínhamos de participar dessa seleção. Como eles escolheram isso? Eu não sei. Se fizessem um sorteio eu ficaria satisfeito de perder. Pelo menos sabia que perdi no sorteio. Não sei se houve algum tipo de concorrência... Não entendi como foi isso. Queria pelo menos saber o que houve. Qual foi o critério?

Comunidade: E a dengue?

Hélio: Infelizmente fomos o primeiro lugar na dengue. Muita gente ficou mal aqui. Mas não digo nem que é culpa do pessoal que trabalha na prevenção, mas é a questão das obras. Essas nascentes que temos e que não são aproveitadas molham as ruas que ficam cheias de água limpa empossada nos buracos. Acaba virando criadouro de mosquito.

Comunidade: E o que você aconselharia aos nossos governantes?

Hélio: Aconselharia e pediria que eles olhassem um pouco pelas comunidades carentes. Não falo só pela minha, porque sei que não é só ela que passa por isso. Eles tinham de olhar mais pelo pobre.


Processos aguardando resposta

O Presidente Hélio nos passou uma listagem com o número de processos relativos a obras na comunidade que ainda não foram respondidos.

EMUSA 06578/05
EMUSA 7006/05
EMUSA 8822/04
EMUSA 7007/05
EMUSA 05755/05
EMUSA 07010/05
EMUSA 07011/05
Secretaria de Obras 40/ 0042/02
Secretaria de Obras 510/10.0257/07
510/10.0004/2006
510/10.0635/06
510/100492/2007

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